A covardia do tributo sobre o consumo e a injustiça social tributária

22/07/2017

Aumento na alíquota Pis e Cofins sobre os combustíveis.

Publicado por Marcos Pinheiro 



         Ontem, o então Excelentíssimo Senhor Presidente da República, por meio de decreto que fora publicado no D.O.U. desta sexta-feira, 21 de julho, elevou as alíquotas de PIS e COFINS sobre a gasolina, diesel e etanol. O reajuste permitirá a entrada nos cofres públicos de R$ 10,4 bilhões, segundo estimativas oficiais.

           O aumento é imediato e já entrou em vigor em todo o país. Alega o governo ser absolutamente necessário tendo em vista a preservação do ajuste fiscal e a manutenção da trajetória de recuperação da economia brasileira. Também alegam que a alta tributação é para equilibrar as contas do governo e conseguir cumprir a meta fiscal de déficit de R$ 139 bilhões este ano.

          Além do reajuste dos tributos, o governo também decidiu contingenciar mais R$ 5,9 bilhões de gastos previstos no orçamento de 2017 que já estava bloqueado em R$ 39 bilhões.

O QUE É TRIBUTAÇÃO PELO CONSUMO?

         No Brasil como em outros países do mundo a tributação segue sobre três aspectos: Patrimônio, renda e consumo.

           A principal marca da matriz tributária brasileira é sobre o consumo que acaba por incidir em diversas fases do processo produtivo de bens e serviços e entre as bases de incidência dos tributos, patrimônio, renda e consumo, esta última responde pela maior parte do produto da arrecadação tributária.

   Segundo dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a carga tributária brasileira sobre o patrimônio representam 3,52%, sobre a renda 24,14%, e sobre o consumo 68,20%. Ainda há um restante que é da seguridade social, que não pode ser vista como base de incidência, mas que, embora assim seja, ainda é repassada ao consumidor.

           A principal característica da tributação sobre o consumo é que é uma tributação indireta que acaba por repercutir em toda cadeia de consumo, de modo que a transferência do ônus tributário ao consumidor final por intermédio da incorporação do tributo no preço do bem ou serviço, como um custo adicional. Ou seja, recai sobre o contribuinte todo o custo operacional de bens ou serviços.

          Assim denomina-se aquele que realmente suporta o custo adicional o contribuinte de fato, "nós, consumidores", diferentemente do contribuinte de direito previsto no ordenamento jurídico como responsável pelo fato imponível que ocupa o polo passivo da obrigação tributária.

          Desta forma a título de exemplo, imagine a seguinte situação. Paulo é vendedor e recebe 1.000,00 por mês. Sua renda não é tributável pelo imposto de renda. Com esse salário, Paulo não deve possuir uma casa confortável o suficiente, mas paga IPTU, paga também ICMS dos produtos que compra no supermercado etc. Tudo com esse salário.

        Agora conheça Sérgio. Sérgio é gerente administrativo de uma empresa. Ganha 12.500,00 por mês. Sua renda será tributada pelo Imposto de Renda IR em 27,5%. Com esse salário pode-se considerar que Sérgio possui bens, casa confortável, carro, etc.

     Agora imagine os dois no mesmo supermercado fazendo compras. Fará alguma diferença se Paulo ou Sergio comprarem o mesmo pacote de biscoito? Ou Paulo pagará menos tributo porque ganha menos que Sérgio? Não. Os dois irão pagar exatamente a mesma carga tributária sobre o produto que levarem. Aí que mora a injustiça social tributária. Falarei mais à frete sobre.

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A começar o Estado com seu poder, não pode cobrar tributos da forma que bem entende. Nesse caso teríamos uma situação de grande insegurança frente a esse poder. Então, a cobrança de tributos de seus cidadãos para a manutenção estatal encontra limites, dentre eles o da capacidade contributiva.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho;

[...] tem o condão de denotar dois momentos distintos no direito tributário. Realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza. Esta é a capacidade contributiva que, de fato, realiza o princípio constitucionalmente previsto. Por outro lado, também é capacidade contributiva, ora empregada em acepção relativa ou subjetiva, a repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento. Quando empregada no segundo sentido, embora revista caracteres próprios, sua existência está intimamente ilaqueada à realização do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, do Texto Supremo. Todavia, não custa reiterar que este só se torna exeqüível na exata medida em que se concretize, no plano pré-jurídico, a satisfação do princípio da capacidade absoluta ou objetiva, selecionando o legislador ocorrências que demonstrem fecundidade econômica, pois, apenas desse modo, terá ele meios de dimensioná-las, extraindo a parcela pecuniária que constituirá a prestação devida pelo sujeito passivo, guardadas as proporções de ocorrência. (CARVALHO, 2007, p. 182-183)

             Certo é que esse princípio parece esquecido ou muito relativizado. Prova disso é esse aumento do PIS e COFINS. Isso porque, com é sabido, o governo irá tributar aqueles que menos podem contribuir, os mais pobres, que possuem uma capacidade contributiva relativamente baixa para os contornos sociais e ressarcimento orçamentário a qual o Governo por meio dessa medida pretende recompor aporte financeiro em detrimento de políticas econômicas mal sucedidas de governos passados.

        Contido parágrafo primeiro do art. 145 da Constituição Federal O "sempre que possível" cabe a administração tributária identificar a condição econômica do contribuinte. Não identificando ou identificando de forma equivocada, cabe ao contribuinte ao contribuinte prejudicado de arcar com o ônus tributário invocar o princípio da capacidade contributiva.

        A coisa vai mais além. Com a violação a esse princípio, também há violação a princípios como o da igualdade tributária, pois nesse caso, ao da capacidade econômica, os iguais devem ser tratados iguais e os desiguais, desta forma, pelo fisco.

Nesse sentido;

      A relação necessária entre vedação de efeitos confiscatórios e capacidade contributiva encontra-se em que os tributos não podem exceder à força econômica do contribuinte. Deve haver, então, clara relação de compatibilidade entre as prestações pecuniárias, quantitativamente delimitadas na lei, e a espécie de fato ± signo presuntivo de riqueza ± (na feliz expressão de A. A. Becker) posto na hipótese legal. A capacidade econômica de contribuir inicia-se após a dedução dos gastos necessários à aquisição, produção e manutenção da renda e do patrimônio, assim como do mínimo indispensável a uma existência digna para o contribuinte e sua família. (BALEEIRO, 2005, p. 574)

       Também há relação como princípio do não confisco, e da existência de um mínimo vital. Esses princípios acabam por delimitar a sede insana que o Estado tem em tributar, garantindo um mínimo existencial para que o cidadão possa viver, sob pena de se tornar o aumento do tributo um ato confiscatório. E é o que parece. Ou seja, a medida que esses tributos aumentaram, na mesma medida também aumentará os custos dos cidadãos que passara a tirar de algum lugar já necessário para subsidiar outro necessário ou de extrema necessidade, como alimentação.

      Não há uma política pública de que, somente após satisfeitos o mínimo existencial, necessário a vida, como alguns direitos constitucionais básicos para sobrevivência, é que por conseguinte, poderia haver a tributação. Claro que cada cidadão tem necessidades diferentes, por critérios econômicos, sociais, regionais, históricos.

     No entanto, pelo menos uma parcela que lhe dê direitos a dignidade humana, obrigação do Estado em prestar serviços aos quais é direito do cidadão. O Estado além de arrecadar altíssima carga tributária, ainda não possui, ao que parece, uma política de redistribuição do que arrecada. Exemplo disso, são os altos planos de saúde que a sociedade arca, a maioria dos contribuintes, em detrimento de um péssimo serviço de saúde oferecido pelo Estado.

Há nesse caso um custo duplo, ou seja a manutenção da saúde na via particular, que não é para todos e os tributos que deveriam ser revertidos a saúde para que não sobrasse mais um ônus ao contribuinte, de arcar com sua saúde duas vezes.

Diferentemente da tendência observada em outros países desenvolvidos, por exemplo, o Brasil segue na contramão. Isso porque, países desenvolvidos tributam mais a renda do que o consumo em si. No Brasil é significativa a carga tributária em detrimento do consumo.

Os dados são corroborados por estudos do Instituto d Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que apontam como principal fonte arrecadatória de nosso país o critério consumo. Em segundo lugar, encontra-se a tributçaõ sobre os salários, qual seja, o imposto de renda, a Contribuição Previdenciária e a Contribuição Sindical. Por fim, a tributação sobre o capital e outras rendas.

Seguindo os dados do mesmo instituto evidencia-se que o ônus tributário no Brasil não se dá de forma homogênea. Estuo do IPEA indicam que o sistema brasileiro tributa mais ou mais pobres, sendo marcado pela regressiviadade dos impostos. Assim tomando como base o salário mínimo, observou-se que as famílias com renda de até dois salários mínimos pagam 48,8% de sua renda, enquanto famílias com renda acima de 30 salários pagam aproximadamente 26,3%.

Nesse compasso o contribuinte destina, em média, 132 dias do ano para pagamento de tributos. Os cidadãos mais pobres numa melhor análise, passam até 197 dias, enquanto os cidadãos mais ricos 106 dias. Assim a carga tributária, cegando a uma conclusão incide mais forte sobre famílias de baixa renda oq eu caba por reduzir consideravelmente seu poder de compra, desrespeitando o princípio da capacidade contributiva.

Infelizmente está enraizado em países em desenvolvimento a tributação incidente sobre o consumo, tendência essa que concentra a arrecadação nos tributos embutidos no preço final das mercadorias e serviços, isto é, tributam mais o consumo da população, o que já se viu, gerando insatisfação social e principalmente injustiça tributária.

INJUSTIÇA SOCIAL TRIBUTÁRIA

Pelo limiar do presente texto, já é possível identificar que o modo de tributação do Brasil é um sistema covarde. Não porque incide, como modo maior de arrecadação, por meio do consumo e serviços, mas porque não há coragem governamental em tributar de forma justa, condizente aos preceitos e princípios constitucionais, ou seja, contribui mais quem pode mais e vice versa.

O problema de distribuição e renda no Brasil, são frutos de uma matriz tributária regressiva. Veja-se que no caso ora em tela de aumento nesses impostos que não poderia contribuir, irá contribuir da mesma forma de quem pode contribuir e não sentirá muito a diferença no bolso. Imagine se você ganha acima de R$ 10.000,00, seja sincero, você irá recamar de um simples aumento de R$ 0,41 na gasolina? Creio que não.

O combate a distorções causadas pela atual estrutura fiscal do nosso país deveria ser prioridade na agenda, uma vez que a busca pela justiça social, passa necessariamente pela busca de uma justiça tributária. Nessa medida, somente uma alteração na estrutura tributária do país que é demasiadamente complexa, e extensa, proporcionando uma melhor distribuição nos tributos existentes, principalmente os que incidem sobre o consumo.

Não há transparência tributária, princípio elencado no art. 150, § 5º da Constituição Federal e que poderia ser o primeiro passo para essa reforma. Conforme ensina Amaro (2010, p.171);

os impostos sobre o consumo, por serem uma espécie de tributação indireta, acabam sendo repercutidos na cadeia produtiva e incorporados ao preço final dos bens e serviços, sem que os consumidores, contribuintes de fato do encargo fiscal, tenham noção da carga embutida. Assim, esses tipos de impostos acabam anestesiando o indivíduo acerca do que é arrecadado ao se adquirir determinado produto, uma vez que o peso do gravame fiscal acaba sendo disfarçado em seu preço.

Assim, conforme ensina o mestre Amaro, infere-se que a transparência tributária é algo que ainda passa ao largo do que se almeja.

Não existe simplificação na arrecadação, nem clareza como se arrecada, para onde vai, de que forma volta o que se pagou em benefícios. Outrossim, o emaranhado de legislações federias, estaduais e municipais, contribuindo para um ambiente confuso, inseguro com baixa coordenação entre os entes federativos gerando um custo adicional aos contribuintes, principalmente os chamados contribuintes de fato, nós.

CONCLUSÃO

Conforme o exposto, a tributação sobre bens de consumo representa maior parcela de arrecadação do Estado, sendo sua principal fonte de receita. Desta forma incide sobre toda cadeia produtiva e que acaba ao final dela, onerar de forma excessiva e desequilibrada o consumidor final, o de fato.

Essa escolha de tributação maior, em cima do consumo, acaba por gerar uma matriz tributária altamente regressiva, contribuindo ainda mais para o abismo social, desigual em sua plenitude, considerados os dos maiores do mundo, sem perspectiva de mudança. Violando claramente o princípio da capacidade contributiva o Estado Brasileiro ainda aposta na tributação sobre o consumo, tributando de forma mais onerosa as camadas mais pobres da população, sustentando, essas camadas, as necessidades do Estado.

Por derradeiro, um sistema tributário covarde a qual paga mais quem ganha menos. Um Estado ainda vinculado ao colonialismo em que a população mais carente tem sobre si o peso de levar o Estado nas costas economicamente.

Um ministério que não se debruça de fato ao estudo da real crise financeira orçamentária a qual o país atravessa, violando sem critérios a capacidade contributiva, explorando o contribuinte de fato, deixando minguar suas economias em benefício não da sociedade em si, mas sim, de "regularizar" a economia em virtude de planos mal sucedidos de governos anteriores.

Simplesmente, todo problema econômico tem somente um fim inexorável, o aumento de tributos. Enquanto não sobrevier um governo de coragem, que realmente faça política pública atinente a reforma tributária, nos restará a tão somente resolução: aumenta os tributos que tudo se ajeita.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Editora Malheiros, 2008.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

https://direito.folha.uol.com.br/blog/imposto-sobre-consumoximposto-sobre-renda . Acesso em 20/07/2017.

https://www.portaltributario.com.br/guia/pis_cofins.html. Acesso em 20/07/2017.

https://www.infomoney.com.br/mercados/na-real/noticia/4420295/equivoco-ipea-tributacao-dos-dividendos. Acesso em 20/07/2017.

Fonte - Publicação original: https://marcos312604.jusbrasil.com.br/artigos/480221476/a-covardia-do-tributo-sobre-o-consumo-e-a-injustica-social-tributaria


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